Após a minha postagem sobre crianças esquecidas em carros, a Roberta do "MMQD" sugeriu
uma pequena sequência sobre acidentes domésticos e o tema
desse segundo post é outra sugestão dela.
Demorei (mais do que devia) para escrever, mas finalmente saiu.
Ingestão Cáustica
A ingestão cáustica é um acidente doméstico relativamente frequente nas
emergências de Pediatria. O HC de Uberlândia/MG registrou, em 2010, 37
ocorrências do tipo envolvendo crianças, sendo 13 delas graves.
Para sorte dos pequenos, a maioria desses acidentes é de pouca gravidade,
quando a criança interrompe imediatamente o processo ao ter contato com o
produto na boca, resultando apenas em queimadura local. No contexto das
ingestões cáusticas o acidente é chamado de "leve", embora esse tipo
de queimadura possa ser bem grave, dependendo da área acometida.
Apesar de não deixar sequelas, qualquer contato de pele e mucosas com
substâncias cáusticas, mesmo em pequenas quantidades, pode levar a irritação
local e ardência importante, dor intensa, lacrimejamento, salivação excessiva e
dificuldade para deglutir.
Infelizmente um número ainda significativo dos acidentes é do tipo grave,
podendo causar sequelas para a vida toda e inclusive levar à morte por
perfuração do esôfago e suas complicações.
Os acidentes mais severos são os ocasionados pela ingestão da soda cáustica
pura, utilizada por algumas famílias para a tradicional produção de sabão
caseiro. Entretanto, diversos produtos comerciais levam a soda na composição,
podendo causar lesões semelhantes. Os produtos "cáusticos" são
básicos (pH alto), mas há produtos ácidos (pH baixo) que ao serem ingeridos
causam queimaduras químicas graves muito semelhantes. Um exemplo é o ácido
fluorídrico presente em polidores de metais e vidros,
A maioria dos acidentes desse tipo ocorre em casa (ou na casa de parentes e
cuidadores) pela ingestão de produtos deixados ao alcance das crianças
principalmente nos primeiros anos de vida, quando a curiosidade está
exacerbada. Apesar de saberem que esses produtos são nocivos, a maioria das
mães não costuma ter idéia da gravidade das lesões ocasionadas e nem das
consequências delas a longo prazo.
Quais as consequências?
Os primeiros sintomas são dor intensa e edema (inchaço) em boca e garganta, dor
no meio do tórax e no estômago, dificuldade para falar, falta de ar e vômitos.
Eles podem ter início em alguns minutos ou mesmo após mais de uma hora do
acidente.
Após uma ingestão grave, nos primeiros 3 a 4 dias o esôfago passa por um
processo inflamatório intenso e sofre uma série de complicações, que incluem um
rápido processo de necrose e infiltração bacteriana (infecção). Nessa fase
podem ocorrer as complicações agudas. A ausência delas, no entanto,
infelizmente não significa que a criança está livre de complicações nas semanas
seguintes.
A partir do 4o dia e durante primeiras três semanas após a lesão, a mucosa do
esôfago descama e o órgão torna-se frágil, com maior risco de perfuração até o
15o dia.
Após a terceira semana, podendo prolongar-se por anos, fase de cicatrização,
com estenoses (fechamento) do esôfago, dificuldades de deglutição, tração do
estômago para o tórax e câncer esofágico.
Nos casos graves, com perfuração e/ou estenose de esôfago, é comum que o
paciente necessite de sondas para alimentação e também da realização de
gastrostomia, quando um buraquinho é feito na pele para alimentar a criança por
uma sonda que vai direto para o estômago. Pode ser necessário substituir o
esôfago. A criança nessa condição pode demorar muito tempo para voltar a
ingerir alimentos sólidos, e será submetida a diversos procedimentos e internações.
A figura abaixo traz uma radiografia contrastada de um esôfago que sofreu
estenose. Observe o lado direito: o terço superior é o esôfago em seu calibre
normal e os dois terços inferiores o órgão estenosado (fechado) pelo processo
de cicatrização de uma queimadura cáustica.
Esse paciente não conseguirá comer alimentos sólidos, mesmo um pedaço de fruta, pois o trajeto do esôfago ficou estreito demais. Às vezes, se o órgão puder ser preservado, são necessárias diversas sessões de dilatação para permitir uma dieta um pouco mais próxima da normal.
Ah... Claro que isso nuuuunca vai acontecer com a gente, né?! Mas não custa
criar alguns hábitos de prevenção:
- Deixe os produtos de limpeza em armários trancados, de preferência elevados e longe do alcance de crianças. Não subestime a capacidade delas de subir em banquinhos, escadas e escalar prateleiras.
- Jamais armazene produtos tóxicos próximos a alimentos. Seu filho ainda não sabe diferenciar um do outro!
- Se possível,não tenha em casa produtos como soda cáustica, ácidos e pesticidas. Esse é, sem dúvida, o meio mais seguro de prevenção.
- Nunca reaproveite frascos de bebidas e alimentos ou embalagens coloridas e atraentes para armazenar produtos tóxicos. Muitos acidentes são causados porque o produto tóxico estava fora da embalagem original e numa embalagem familiar à vítima, como garrafas ou latas de refrigerantes.
- Solicite que todos os parentes, vizinhos e amigos com quem você eventualmente deixa seu filho tomem as mesmas providências. Confira pessoalmente. A ingestão pode ocorrer na casa de um cuidador. De nada adianta nossa casa estar toda preparada se a criança estiver passando o final de semana na casa dos avós.
- NÃO IGNORE A POSSIBILIDADE DE ISSO ACONTECER COM VOCÊ. Esse é o maior erro por trás da maioria dos acidentes.
Essa figura, bem rodadinha no Facebook, ilustra muito bem os
perigos da curiosidade infantil:
Mas e se acontecer?
Nunca vai acontecer com a gente, certo?! Mas é sempre bom
saber pra não fazer errado...
- Remover resíduos sólidos (cal, soda) se ainda estiverem presentes. O contato desses resíduos com água pode agravar as queimaduras)
- Lavar o local atingido com água corrente. Pelo menos 15 minutos.
- Procurar serviço médico imediatamente. Lembre-se que mesmo que os sintomas no início pareçam leves, pode haver consequências a médio e longo prazo.
- NÃO PROVOCAR VÔMITOS: Ao contrário do que muita gente pensa, se provocamos vômito a substância nociva passa mais uma vez pelo esôfago, aumentando a gravidade da queimadura.
- Manter a criança em jejum
Seguem alguns exemplos de produtos cáusticos domésticos, alguns de uso bem
frequente:
Tinturas para cabelo com oxidantes:
Cremes depilatórios:
Produtos para limpeza de forno e fogão:
Desentupidor de esgotos, pias e ralos:
Alvejantes e descolorantes:
Detergentes (líquidos ou em pó):
Cal:
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